terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Pão para viver

No outro dia entrei na padaria para ironicamente comprar 80 pães para um dia de jejum...Ou seja, nem foi um daqueles jejuns a sério, mas durante um dia cerca de 40 pessoas experimentaram, partilharam e foram solidários com tantos outros por esse mundo fora que vivem sem alimentos durante dias.

Um pão bom, com um queijo horrível, uma garrafa de água, um pequeno pacote de açúcar e ainda uma maçã, para comer durante um dia inteiro.

E aproveitar este vazamento para nos enchermos de algo que muitas vezes nos equecemos, e vivemos sem durante dias.

Nesse mesmo dia, enquanto comprava o pão, o senhor que me atendia disse-me “Olhe que teve sorte em vir pedir hoje estes pães todos, porque amanhã o preço do pão vai subir dois cêntimos!”...

Eu ouvi, senti um ligeiro desconforto por momentos, mas depois segui pela porta com a minha sacada de pães a pensar “Bom, dois cêntimos também não é assim tanto, e eu acabo por nem comer assim tanto pão...”.


Hoje li no Público On-Line que o PAM (Programa Alimentar Mundial) está com dificuldades em arranjar orçamento para comprar bens essenciais para enviar para zonas do globo que estejam com mais necessidade.


O aumento da procura alimentar na China e Índia, o aumento do consumo de carne, a aposta de vários países em biocombustíveis (que integram na sua produção cereais) e as más colheitas em 2007 são alguns do factores que têm contribuído para o encarecimento dos bens alimentares a nível mundial. “


Desde 2002 que os géneros alimentares sofreram uma inflação de 70%...


Esqueço-me por vezes que a minha vida é uma benção constante, e que o que vivo é mais do que muitos ousam sequer pedir.

Uma organização mundial com dificuldade em comprar pão para poder oferecer a quem precisa.

Não lembra a ninguém.

Não me lembra a mim pelo menos.


Tento-me pôr na pele de um dos membros dessa organização.


(...)

Chega um telefonema: no Afeganistão, cerca de 2,5 milhões de pessoas estão com falta de bens essenciais devido às más colheitas deste ano...Valha-me Deus!2,5 milhões!...Temos de começar já a mandar ajuda...Ainda por cima no clima que se vive naquele país!...

Outro telefonema,desta vez para a empresa que nos costuma enviar as grandes quantidades de farinha de trigo que encomendamos...Tem de ser das primeiras remessas a enviar, quer dizer, o que há de mais básico e essencial do que fazer pão?

Sim?Viva, como está?Sim é da PAM...Olhe desta vez precisamos de umas duas toneladas extra, para além do que costumamos pedir...Sim, é que surgiu uma emergência...Sim, vamos continuar a fornecer aos habituais, Africa e tal, por isso é que queremos extra...Como?Está a brincar comigo??Aumentou quanto???Perto de 30%???Mas isso vai dar pelo menos mais 100 milhões de dólares do que o costume!!...E onde espera que arranjemos esse dinheiro?!Este ano o orçamento está já perto do limite!!

(...)


Tento-me pôr na pele de uma das pessoas que costuma receber ajuda da PAM.


(...)

Não sei quanto tempo mais aguento.

Chega hoje o carro com os homens da comida...Ainda bem.

Já não sei bem quando comi pela última vez, e o tempo também não tem ajudado...Nem uma única gota de água nas últimas três semanas.Nem as duas espigas de milho que sobraram no terreno parecem ter força para aguentar o resto do dia...

Uma multidão começa-se a juntar na direcção de uma nuvem de poeira que se começa a ver no horizonte.

Finalmente o jipe pára e saem de lá dois homens com ar cabisbaixo.Um deles diz qualquer coisa, mas está demasiada gente à minha frente para que consiga perceber o que diz.

Começa a gerar-se uma certa onda de inquetação lá à frente, mas cá atrás ninguém ainda sabe o que se passa.O outro homem que não estava a falar começa a tentar elevar a voz sobre o ruído da multidão e gesticular como que a dizer para ter calma.

O rapazito que está à minha frente em bicos dos pés é puxado pela mãe que vem do meio do amontoado de gente, e pergunto-lhe o que se passa.

Pouca comida?...Então mas...Ah, dinheiro...Mais caro, claro...Sim, sim, mulheres e crianças têm prioridade claro...Certo, obrigado.Olhe se sobrar...

E o rapazito desapareçe por entre braços e pernas famintas.

O jipe parte na mesma nuvem de poeira que o trouxe.

Não sei quanto tempo mais aguento.

(...)


Incomodam-me estas notícias em que falam de ajudas humanitárias.Tocam-me e mexem comigo.

E penso, será este um caso em que estamos a apostar no cavalo errado?Será que deviamos estar a enviar pessoas para construirem infra-estruturas, e máquinas que ajudassem na produção destes bens de primeira ordem?Deveriamos estar a ensinar a pescar em vez de dar peixes?

Ou o problema está mesmo em pormos números e economia e gráficos estatísticos em tudo, até naquilo que não pode ser nunca avaliado pois é demasiado precioso de tão essencial?


Custa-me só ouvir falar sobre custos.

Quebra-me o raciocínio ver tudo a ser racionalizado.


Se é chamado “bem de primeira ordem” é porque está perto da base daquilo que nos sutenta.E mexer na base é brincar com o Dom que é a Vida, e consequentemente com tudo aquilo que lhe dá sentido.

Tudo trocado...Devia-se trocar as voltas àquilo que nos ensinam.

É isso que organizações como a PAM tentam mostrar: não existimos enquanto houver dinheiro, mas enquanto houver pessoas que precisem de ajuda.

Enquanto números e lógica fria e dura for o centro para quem joga com o valor das coisas, vai sempre haver ”falta de algo”.Quando se tentar prencher esses vazios sem olhar ao que isso custa, mas sim ao quanto vale um Homem só por ser, então acredito, aliás, tenho mesmo fé que vamos começar a caminhar para algum lado, em vez de apodrecermos em estagnação como agora.


Nem só de Pão vive o Homem”


Quando eu conseguir olhar para a minha mãe, ou para ou meu pai, ou para o meu irmão, ou até mesmo para aquele que considero o meu melhor amigo, e vir nele, naquilo que ele é, na nossa relação, a coisa mais valiosa e importante deste mundo, mas mesmo aquilo que eu mais prezo, estimo, acarinho, preciso, necessito, anseio, abraço, agarro, então aí sei que estou verdadeiramente a viver, e que “nada” me vai faltar.


Se cada homem e mulher por um minuto entendesse aquela frase escrita a itálico, então tenho a certeza que seria esse o minuto onde aquele homem com fome deixaria de a ter, pois haveria pelo menos 30 pessoas a darem-lhe todos os pães que ele precisasse para ficar satisfeito.


Atrevo-me a apoiar que o pão não é essencial depois de duas páginas a dizer o contrário?...

Se calhar se resolvesse o problema da fome no mundo, mas ainda assim não conseguisse olhar para aqueles que salvei e ver neles o sentido, mas ver-me a mim como o salvador do mundo e a minha grandeza como o sentido, parece-me que tudo acabaria por voltar ao mesmo.

Se calhar é preciso dar um passo mais longe, para além do óbvio e do seguro e do lógico...


Esqueço-me por vezes que a minha vida é uma benção constante.

E quando me lembro só quero poder agradecer de volta de alguma maneira.


Quero um dia encontrar alguém com fome e dar-lhe mais que um peixe.

Quero dar-lhe mais que uma cana para pescar.

Quero dar-lhe mais que a sabedoria para pescar.

Quero entregar-lhe toda a minha vida.

Sem medo de estar a ir longe de mais.

Sem medo de perder.

Sem medo.


2 comentários:

Rita Queiró disse...

completamente sem palavras.. nao consigo dizer outra coisa depois de ler este texto para mim e pensar em tudo o q aqui diz..

"a minha vida é uma benção"

obrigada gorilao por este momento fantastico.. :)

diogo disse...

depois de ler este texto pus-me a pensar e acho que a maior parte das pessoas que vive como nos nao tem noçao da sorte que tem...tanta gente a morrer a fome do outro lado do mundo e nos em vez de darmos importancia aquilo que temos preocupamo-nos com coisas que nao interessam a ninguem...dou graças a deus pela vida que tenho e sei que milhoes de pessoas nao tem a minha sorte por isso vou aproveitar a vida ao maximo enquanto posso!